quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Soluções 3



HRIDAYANANDA DASA GOSWAMI



arjuna uvãca

atha kena prayukto ‘yam

pãpam carati purusa

hanicchann api vãrsneya

balãd iva niyojitah

“Arjuna disse: Ó descendente de Vrsni, o que impele alguém a agir pecaminosamente mesmo contra sua vontade, como que coagido à força ?” (Bg. 3.36)

O Bhagavad-gitã é uma conversa entre Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, e Arjuna, Seu amigo e devoto. Neste verso, especificamente, Arjuna menciona a palavra pãpam, que significa pecado. O que é pecado ? Pecado quer dizer não obedecer às leis de Deus, Krishna.
Aqui no Brasil, ou em qualquer país do mundo, há muitas leis. Quem não segue essas leis é considerado criminoso. Assim, o termo “criminoso” refere-se à pessoa que não obedece à lei estadual, municipal ou federal; de forma semelhante, pãpam é uma palavra sânscrita que denota alguém que não obedece às leis do universo. É fácil entender que no nível municipal, estadual e federal existam muitas leis. Do mesmo modo, no nível universal, há muitas leis que devemos observar.
Tendo como base este raciocínio, é possível definir o termo “religião”. Infelizmente, no momento atual ninguém compreende esta palavra. Todos acham que praticar religião significa ser cristão, muçulmano, hindu, judeu, católico e assim por diante. Mas isto trata-se de fé, e não de religião. Não passa de um determinado tipo de fé. Por exemplo: os que afirmam seguir o cristianismo têm fé em Jesus Cristo. Os muçulmanos, porém, também têm fé em seu líder. Os judeus têm fé em outro líder. Logo, isto é fé, e não religião. Religião indica algo objetivo, universal: as leis de Deus.
Aqui no Brasil dois mais dois são quatro. Isso não é matemática brasileira, mas sim uma lei geral de matemática. Também nos Estados Unidos, dois mais dois são quatro, assim como na União Soviética. Não existe tal coisa como matemática brasileira, americana, etc. Não. Essas leis são objetivas. Não é que o fogo brasileiro seja diferente do fogo europeu: o fogo queima igualmente em toda parte, seja ele comunista, democrata ou socialista.
Portanto, conhecimento espiritual quer dizer descobrir, ou conhecer, as objetivas e universais leis de Deus, e este é um fato que não difere de um país para outro, ou de uma fé religiosa para outra. Fazer tais distinções é bobagem, disparate, porque a lei de Deus é universal. No Srimad-Bhãgavatam, o maior clássico da literatura védica, relata-se que há cinco mil anos houve uma grande reunião de sábios numa floresta chamada Naimisãranya, onde surgiu a seguinte pergunta:

bhurini bhuri-karmãni
srotavyãni vibhãgasah
atah sãdho ‘tra yat saram
samuddhrtya manisayã
bruhi bhadrãya bhutãnãm
yenãtmã suprasidati

Esses sábios se reuniram porque sabiam que Kali-yuga ia começar. Kali-yuga é a era atual (kali tem dois sentidos: desavença e hipocrisia). Então eles disseram que bhurini bhuri-karmãni, muitas são as escrituras, cada uma das quais apresenta muitas regras, preceitos, mandamentos, tanto que srotavyãni vibhãgasah: todos dizem que a sua escritura é absoluta e a sua religião é a melhor. Por conseguinte, os sábios perguntaram a Suta Gosvãmi, seu mestre espiritual: atah sãdho ‘tra yat saram/ samuddhrtya manisayã: “Dentre todas as religiões, todas as escrituras, qual é a essência fundamental ?” Saram em sânscrito significa “essência”. Em outras palavras, os sábios reuniram-se em Naimisãranya com o intuito de fazer planos para o bem-estar do mundo. Esta é a diferença entre a pessoa santa e a pessoa comum. A pessoa santa só trabalha para o bem-estar dos demais, ao passo que a pessoa comum trabalha apenas para o seu próprio benefício. Eles disseram que bruhi bhadrãya bhutãnãm/ yenãtmã suprasidati: “gostaríamos de saber disso para que todos sejam felizes e tranquilos nesta vida e, no final da vida, obtenham a salvação.” Eles podiam ver que as coisas estavam se degradando. Sim, porque, como se explica no Srimad-Bhãgavatam, Kali-yuga, a era atual, é a era de desavenças e hipocrisia. Quase todo o mundo é hipócrita. Mesmo uma cidade importante como Belo Horizonte tem sua atmosfera dominada por grandes letreiros elétricos, anunciando artigos pouco conducentes à vida espiritual. Num ambiente tão infantil e superficial, é muito difícil praticar vida espiritual, e por isso os sábios de Naimisãranya manifestaram sua preocupação perante seu guru, Suta Gosvãmi.
Por seu lado, ao ouvir a pergunta dos sábios, Suta Gosvãmi não disse: “Bem, a coisa mais importante é ser hindu, a essência da vida é ser protestante.” Não, ele respondeu o seguinte: as vai pumsãm paro dharmo/ yato bhaktir adhoksaje: “a coisa essencial, a coisa mais importante, é bhakti (amor ou devoção por Deus).” E inclusive ele enumerou cientificamente os sintomas de bhakti, para depois não ser incluído entre os enganadores baratos de hoje em dia. Enquanto vínhamos para a palestra, eu observava a cidade, e percebi que aqui vocês fecham as lojas, protegendo-as com grades de ferro. Não é assim ? Mas por que isto ? Porque todos querem roubar, o mundo está muito contaminado. Para vocês terem uma idéia da situação, recentemente, após fazerem uma pesquisa nos Estados Unidos, onde perguntavam ao povo se eles acreditavam na honestidade dos políticos, 91% deles responderam que não. E dos 9%, alguns não sabiam se acreditavam ou não. Por isso, é inútil dizer apenas que a essência de todas as religiões é o amor por Deus, porque todos vão querer enganar, aproveitar-se disso. Quando visitei nosso Centro Hare Krishna na Bahia, vi que lá acontecem festivais religiosos onde as pessoas saem às ruas, bebendo cachaça, dançando sensualmente, e ainda dizem que isto é festival religioso.
Por isso, Suta Gosvãmi descreveu os sintomas de alguém que realmente tem devoção e amor por Deus, porque, se conhecemos os sintomas, ninguém pode nos enganar _ é muito difícil enganar quem tem conhecimento verdadeiro. Por exemplo: às vezes, certos indivíduos vendem alumínio folheado a ouro, dizendo: “É ouro puro ! Isto é um relógio de ouro maciço.” É alumínio com um pouquinho de ouro, mas eles dizem que é ouro puro. Então, o tolo que não conhece nada sobre ouro compra o produto imediatamente. Mas, o homem educado, científico, não. Primeiro, ele investiga os sintomas do produto, porque o ouro tem seus sintomas, assim como a água tem sintomas, o fogo tem sintomas. Analogamente, devoção tem sintomas, amor por Deus tem sintomas: yato bhaktir adhoksaje/ ahaituky apratihatã/ yayãtmã suprasidati. O primeiro sintoma de quem tem devoção mesmo é que ele está sempre ocupado em serviço devocional ao Senhor Supremo _ nunca trabalha para o seu próprio benefício. E, depois, apratihatã: em sânscrito, hatã significa quebrar, e algo que não se pode quebrar é apratihatã. A tradução normal é ininterrupto. De modo que a devoção pura existe quando se tem uma atitude de serviço ininterrupta e isenta de motivações pessoais. Agora, quem alega que existem muitas religiões precisa antes de mais nada provar que essas religiões podem levar as pessoas a este nível de existência (ahaituky apratihatã), de serviço devocional sem motivações pessoais e ininterrupto. Caso contrário, não é religião.
Vocês podem aplicar esse critério. Como diz o Srimad-Bhagavatam, dharmah projjhita-kaitavo ‘tra: qualquer outra religião que não estabeleça ahaituky apratihatã deve ser rejeitada. Não de modo fanático, mas cientificamente. Pode ser que o médico recomende um remédio para seu paciente, mas se este permanece doente, o remédio é inútil. Por que continuar comprando um remédio que não faz efeito algum, que não purifica o corpo, que não pode tirar a doença do corpo ? Do mesmo modo, por que falar de uma religião que não pode purificar o coração da pessoa que a está praticando ? Oficialmente falar que pertenço a esta religião, ou pertenço àquela religião _ isso não adianta. Isso não é cientifico. É preciso examinar o processo, ver se ele funciona, se pode limpar o coração; senão, deve ser rejeitado.
Isso é ciência espiritual. Por isso os Vedas dizem que nesta era de Kali-yuga o único processo que funciona realmente é o de cantar os santos nomes de Deus. Isto é um fato. Nós cantamos Hare Krishna: Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma, Rãma Rãma, Hare Hare. Mas, quem não gosta de cantar Hare Krishna, se tem algum problema que o impede de cantar Hare Krishna, pode cantar outro nome de Deus. Em toda a parte do mundo, há vários nomes autorizados de Deus que podem ser cantados. Mas, de qualquer modo, este processo de cantar os nomes de Deus é o único que é eficaz nesta era. Não se trata apenas de falar: “Ah! Agora estou praticando yoga, comprei um mantra, estou meditando, tenho uma religião, li um livro” e assim por diante. Mas, para que serve tudo isso se você não se liberta dos desejos materiais, se você continua muito interessado em coisas materiais como sexo, dinheiro, prestígio, etc.? Por isso, para quem realmente deseja avançar na vida espiritual, purificar sua consciência, recomenda-se o canto dos santos nomes de Deus. E a primeira coisa que ocorre com quem canta os nomes de Deus é que sente alívio de todos os problemas materiais. Atualmente _ não apenas atualmente, mas sempre _ vivemos cheios de problemas: problemas econômicos, psicológicos, sociais, políticos, familiares. Passamos a vida toda procurando resolver nossos problemas. E, quando chega a hora da morte, ainda surgem mais problemas. Quem está para morrer sente-se muito mal por não ter conseguido resolver seus problemas. Há inclusive quem peça para viver mais só para resolver mais problemas. Você pode pensar: “Agora tenho este problema, mas, se resolvê-lo, ficarei satisfeito.” Mas, quando você o resolve, surgem mais uns cinco problemas.
A pessoa que canta Hare Krishna, porém, entende: “Eu não sou o corpo material, sou a alma eterna dentro do corpo”, e por conseguinte não tem mais problemas. Ela perde suas preocupações, suas ansiedades _ tais como: o que o mundo pensa de mim ? Será que eles gostam de mim ? Será que vou conseguir muito dinheiro este ano ? O que vai acontecer com o governo? Todos vivem preocupados dessa maneira, mas a pessoa que canta Hare Krishna não se preocupa mais. Ela sente uma profunda tranquilidade, e esta é apenas a primeira fase de seu avanço. Depois, ela desenvolve êxtase espiritual e perde o desejo de executar atividades materiais.
Um exemplo prático para ilustrar o que estou tentando explicar: aqui em Belo Horizonte, ou em qualquer outra cidade do mundo, nunca há escassez de ladrões, criminosos, não é ? No entanto, nós não queremos executar atividades criminosas. Por que ? Porque é algo que não nos atrai, não gostamos disso; para nós, cometer um crime é muito abominável, deixa-nos revoltados. Por que ? Porque temos atividades superiores, mais puras, mais gostosas. Por outro lado, outras pessoas, em virtude de suas qualidades, gostam de crime, gostam de pecado. O devoto de Krishna, ou mesmo alguém que canta Hare Krishna em casa, não gosta de cometer atividades pecaminosas, não encontra prazer algum nisso. O prazer do devoto é muito superior. Se eu lhe peço cinco mil cruzeiros, você não quer dar, mas se lhe digo que tenho cem mil cruzeiros para você caso você me dê os cinco mil cruzeiros, você mos dá imediatamente. Em troca de algo superior, você deixa algo inferior. Um bom negócio.
Então, não é que o devoto de Krishna tenha deixado algo bom: ele abandonou algo inferior e obteve algo superior. O devoto de Krishna sente prazer vinte-e-quatro horas por dia. Mas prazer superior, prazer espiritual, que se expande cada vez mais. O prazer material se expande um pouco, depois se torna aborrecido. Você compra um disco, escuta-o por algum tempo, depois se cansa, não quer mais ouvir o disco. Você arruma uma namorada, mas depois não gosta mais dela, já quer outra. Não é assim ? No mundo material é assim.
Com Krishna, porém, é diferente. Mesmo que se cante Hare Krishna durante milhares de anos, diariamente sente-se cada vez mais prazer, porque as coisas espirituais são ilimitadas. Por isso, o segredo para não pecar não está em artificialmente tentar praticar austeridade, penitência, ir à floresta. Não. O processo consiste em encontrar um prazer superior e deixar o prazer inferior. E qualquer religião que não proporcione prazer superior não vale a pena. Com base nesses pontos, recomendamos a todos este processo de cantar Hare Krishna, porque, se vocês cantarem, logo sentirão prazer espiritual, e esse prazer se expandirá, fazendo com que vocês se esqueçam das coisas materiais. Agora, se vocês tiverem alguma pergunta, por favor, façam-na.

ESTUDANTE: quando o devoto evolui, ele passa a abominar o prazer material ?
SRILA ACHARYADEVA: Sim.
ESTUDANTE: Então, como ficaria a parte sexual para a própria reprodução da espécie humana ?
SRILA ACHARYADEVA: Isto não é um problema. O único problema é que todos podem se degradar praticando atividade sexual irrestrita. Mas o perigo de que ninguém vai gostar mais de sexo _ este perigo não existe.
ESTUDANTE: Então quer dizer que à medida que o ser evolui ele vai deixando o sexo ?
SRILA ACHARYADEVA: Sim, porque, afinal de contas, o que é este corpo ? Este corpo é abominável. Não passa de um depósito de fezes, urina, muco, maus odores.
ESTUDANTE: Mas para a reprodução, deve se manter...
SRILA ACHARYADEVA: Não, o sistema dado por Krishna é muito pragmático. O fato é que a maioria das pessoas em qualquer sociedade só se desapega das coisas materiais gradualmente. Algumas pessoas extraordinárias poderão deixar, digamos, na juventude, as coisas materiais. Afora isso, quase todas as pessoas irão aprender o desapego no decorrer de sua vida. Portanto, segundo o sistema social védico, o jovem, entre seus vinte e vinte-e-cinco anos, geralmente casa-se, constitui família, e, depois, aos cinquenta anos mais ou menos, começa a deixar a vida familiar e se aposenta da vida material.
ESTUDANTE: Quer dizer, então, que ele vem a alcançar esta santidade após esse período de reprodução ?
SRILA ACHARYADEVA: De um modo geral, é isso o que acontece. Mas todos são recomendados a abandonar a vida material.
ESTUDANTE: Isso não acontece muito ?
SRILA ACHARYADEVA: Não. É um fato histórico que a maioria das pessoas não consegue deixar a vida material de repente. Isto está comprovado.
ESTUDANTE: Os devotos têm uma vida paralela à vida humana normal ?
SRILA ACHARYADEVA: Sim, com uma única diferença: o devoto que é chefe de família cultiva a vida espiritual. Por outro lado, o homem que leva uma vida material até os cinquenta anos, ao chegar a essa idade, fica mais apegado do que nunca as coisas materiais. Podemos ver, inclusive, que as pessoas idosas são mais apegadas do que as pessoas de outras faixas etárias. Isto quer dizer que, para o sistema védico poder funcionar, é preciso haver um cultivo durante toda a vida do indivíduo. Ele não poderá começar aos cinquenta anos. Então, o devoto que é chefe de família está numa posição mais ou menos paralela, mais ainda assim é diferente porque leva uma vida pura: não come carne, peixe ou ovos, não pratica jogo de azar, não se intoxica e não mantém relação sexual ilícita. Mesmo em sua vida familiar, ele pratica sexo unicamente para procriar.
Como você pode ver, este é um processo científico. O indivíduo se casa entre os vinte e vinte-e-cinco anos, o que significa que por volta dos cinquenta anos seus filhos já estão crescidos e podem proteger sua esposa, cuidar dos negócios e dos assuntos da família.
ESTUDANTE: O movimento Hare Krishna teria planejado um objetivo para poder administrar toda a humanidade ?
SRILA ACHARYADEVA: Sim.
ESTUDANTE: Como seria a administração de toda a humanidade, os meios de produção...
SRILA ACHARYADEVA: A sociedade tem que ser dividida, organizada, segundo o sistema varnãsrama.
ESTUDANTE: Varnãsrama ?!
SRILA ACHARYADEVA: O termo varnãsrama é a combinação de varna e ãsrama, duas categorias. Varna significa ocupação. Em qualquer sociedade, há a necessidade de quatro ocupações, a saber, (1) o trabalho intelectual, que inclui as atividades de sacerdote, intelectual, filósofo e assim por diante; (2) a administração, pessoas que governam, protegem; (3) o comércio e a produção; e (4) o trabalho braçal, dos operários que ajudam as outras classes. É um sistema tão científico como o nosso corpo. O corpo tem quatro parte: cabeça, braços, estômago e pernas. A cabeça pensa ou orienta, os braços protegem e administram os assuntos do corpo, o estômago serve para manter o corpo, e as pernas ajudam, transportam os demais membros do corpo. A sociedade é como um corpo orgânico: precisa de cabeça, braços, estômago e pernas. Hoje em dia, porém, nossa sociedade não tem cabeça, o estômago está onde deveria estar a cabeça, porque agora é mais importante produzir, fabricar, etc. Ou seja, colocamos o estômago no lugar da cabeça; este é o problema de nossa sociedade.
Mas nosso movimento está propondo um sistema social científico, cujo funcionamento depende apenas de treino. Atualmente no Brasil há muitas pessoas que têm capacidade intelectual, espiritual. Mas não há um sistema científico para treiná-las. Além disso, há os políticos, aqueles que administram, embora também não haja uma escola científica para treiná-los _ como levar a sociedade à perfeição espiritual e material. Conclusão: muitos problemas. Não só aqui, mas também nos demais países. Inflação, todos se queixando, revoluções, líderes assassinados, corrupção. Tudo porque os líderes não são treinados cientificamente para orientar a sociedade. Quem bate com mais força é o líder _ ou seja, a lei da selva.
Quanto à classe mercantil, produtora, também não há treinamento científico para ela. A classe produtora deve organizar tudo para que todos possam ter, mas eles só estão interessados neles mesmos. E um ponto muito importante é que esta classe deve proteger as vacas e outros animais porque eles também são cidadãos do estado. Mas, em vez disso, matam os animais, infestando o país de pecado. Outra coisa: os industriais fazem propaganda para que todos bebam, fumem, comam carne. Em outras palavras, visando a seu próprio lucro, eles querem que todos sejam pecaminosos, querem criar vícios. Isto é muito pecaminoso. Entretanto, na cultura védica, os produtores são cientificamente treinados para produzir coisas boas e positivas: leite, cereais, frutas, verduras, seda, jóias e assim por diante _ coisas úteis e puras. E os próprios operários, na cultura védica, são bem cuidados, não precisam lutar...
ESTUDANTE: O senhor falou jóias ?
SRILA ACHARYADEVA: Sim. Produzir jóias.
ESTUDANTE: Isto não é um hobby material ?
SRILA ACHARYADEVA: Não, também é algo puro se utilizado corretamente. Por exemplo: segundo a psicologia feminina, quando a mulher tem jóias, ela sente prazer, e se a esposa sente prazer, o esposo fica satisfeito. Se a esposa está agitada ou frustrada, a casa vira uma bagunça, as crianças desenvolvem problemas mentais. Portanto, produzir jóias é necessário. Psicologia feminina...
Na cultura védica, os operários são bem cuidados, mas atualmente eles precisam lutar para poder viver. Isto não é apenas falha do capitalismo _ não devemos ter uma visão tão boba assim. Acabo de chegar dos países comunistas. Fui visitá-los porque estou pregando em toda parte, e não quero apenas falar teoricamente. Bem, os líderes comunistas tomam o dinheiro do estado para fabricar bombas e para eles mesmos. Fazem duas coisas com o dinheiro: fabricam armas e roubam. Só isso. Conclusão: em toda a parte os operários estão desprotegidos, revoltados. E, quando recebem dinheiro, compram cachaça, cigarro e qualquer coisa. Ninguém está interessado em cuidar deles, em treiná-los.
ESTUDANTE: Que países o senhor visitou ?
SRILA ACHARYADEVA: Polônia e Alemanha comunista.
ESTUDANTE: Mas isso de os operários serem bem cuidados pelo governo não é paternalismo ?
SRILA ACHARYADEVA: Paternalismo é necessário. Como você poderia estar falando agora se não tivesse tido um pai ? Se não tivesse sido treinado, como poderia estar falando agora ? Acaso você nunca foi treinado ? Se você sabe de alguma coisa, é porque foi treinado, não é ?
ESTUDANTE: Isto soa a racionalismo...
SRILA ACHARYADEVA: Claro, mas é racionalismo para explicar o que podemos constatar. Estou me valendo da lógica. Não se trata de dizer teoricamente que todos devem ser lógicos, mas estou me valendo da lógica para comprovar que, sem treinamento, ninguém pode fazer nada. Lógica significa que podemos constatar; se podemos falar, é porque ouvimos, fomos treinados. Quem aqui pode dizer que fulano de repente descobriu o português e agora está falando fluentemente ?
Portanto, a conclusão lógica é que agimos conforme as instruções que ouvimos, ou conforme o treinamento que recbemos. Hoje fala-se tanto de liberdade. Mas mesmo na democracia livre o pecado, a miséria, a frustração aumentam dia a dia. E vocês criticam o paternalismo ! Sim, o pai existe. Se o sol não nascesse diariamente, ninguém poderia fazer nada, nem sequer viver. Agora, quem fornece o sol ? Você ? Você fala que todos devem ser independentes, mas o que é independência ? O que podemos fazer sem o sol, sem chuva, sem ar, sem comida ? E quem está produzindo essas coisas ?
Por que, então, fingir que somos independentes ?
ESTUDANTE: Por que certas pessoas têm mais que as outras ? O senhor não acha que todos deveriam ter igualmente ?
SRILA ACHARYADEVA: Todos têm, mas ter igualmente é impossível, porque alguns são mais qualificados.
ESTUDANTE: Então o senhor prega a desigualdade ?
SRILA ACHARYADEVA: Sim. Pregamos. Porque as pessoas não são iguais. Por que uma mulher escolhe um homem, e não outro ? Porque acha um mais feio que o outro. Por que dois comerciantes trabalham no mesmo negócio, produzem o mesmo produto, e um fica rico e outro fica pobre ? Porque um é mais perito que o outro. Então, onde está a igualdade material ? igualdade é espiritual. Como você pode falar de igualdade material ?
Na cultura védica, porém, ninguém é explorado, todos recebem o que precisam para ser felizes na vida. Agora, se você quer treinar as pessoas para serem invejosas (“Ah ! veja, ele tem mais que você, mate-o !”), isso é outra coisa. Se você faz propaganda para agitar o povo, para aumentar a inveja do povo, isto não ajuda o povo. Se você apregoar a inveja, sempre haverá alguém que terá mais que outrem, e sempre haverá frustração. O que é importante é que todos tenham o suficiente para levar uma vida boa e feliz. A idéia é que ninguém é independente. Por lógica, por raciocínio, entende-se que ninguém neste mundo é independente. Todos são cem por cento dependentes. Como, então, você pode dizer que não quer paternalismo se é cem por cento dependente ?
ESTUDANTE: Eu disse que não queria subalternalismo, hierarquia.
SRILA ACHARYADEVA: Mas se alguém é capacitado, qualificado para proteger os demais, por que não faze-lo ? Por exemplo: se de repente entra alguém aqui querendo matar-nos e outra pessoa nessa sala tem treinamento para nos proteger, por que você diria: “não, ela não deve nos defender, porque assim...? E na agricultura, se alguém é perito, por que não poderia ensinar os demais a produzir melhor ? Se alguém tem talento para administrar, governar, por que não deveria fazê-lo, em vez de deixar o caos grassar em toda a parte ? E se alguém é capacitado para dar conhecimento espiritual, se é bem treinado para iluminar, pregar, por que não pregar ?
ESTUDANTE: Doutrinar ?
SRILA ACHARYADEVA: Não, iluminar. Acaso você acha impossível que exista conhecimento ? Que é impossível este conhecimento ser transmitido ? Que tudo é doutrina ?
ESTUDANTE: O que vocês pregam ? O sectarismo ?
SRILA ACHARYADEVA: Não, pregamos o conhecimento espiritual. Por que você acha que tudo é sectário, tudo é doutrina ? Tão pessimista. Minha pergunta, então, é: por que uma pessoa capacitada não deve utilizar o talento que Deus lhe deu ? Como podemos dizer que todos são iguais ? Você não pode achar nem duas pessoas iguais. Portanto, se você quiser igualdade, terá que ser igualdade espiritual. Todos nós temos direito de receber a mesma iluminação espiritual, o mesmo prazer espiritual, o mesmo amor espiritual. Mas, do ponto de vista material, temos de aceitar ocupações segundo nossa natureza e capacidade específicas. Isto é cultura védica. Espiritualmente, todos somos iguais. No sentido mais profundo, no sentido mais importante, ninguém é superior, ninguém é inferior. Contudo, para organizar a sociedade em termos práticos, precisamos aceitar posições superiores e inferiores; se bem que, numa sociedade onde todos estão progredindo, avançando espiritualmente, quem está na posição inferior não inveja quem está na posição superior, nem fica frustrado. Cada um sente-se satisfeito de ver que há alguém mais qualificado. Por que criar uma sociedade onde todos queimam de inveja ? Por que criar uma sociedade baseada na inveja ?
ESTUDANTE: Eu não concordo.
SRILA ACHARYADEVA: Primeiro você falava de raciocínio, agora diz que não concorda. Dizer “não concordo” não é lógica. Isto é emoção. Por isso, minha pergunta é: uma sociedade deve se basear na inveja ou no amor ? Se eu vejo que você é melhor, fico contente, gosto de saber disso, quero que você tenha mais, e você também gosta que eu tenha mais. Isso é sociedade pura, espiritual. Mas uma sociedade baseada em inveja _ se você vê que o outro tem mais, mata-o _ que tipo de sociedade é esta, de tigres e serpentes ?
ESTUDANTE: O maior problema que a gente sente normalmente, segundo a evolução de cada um, eu acho que é, por exemplo, quando alguém está querendo ser tranquilo, etc. E de repente perde a calma com alguém, vai pregar um prego, erra, xinga, etc. É uma coisa inconsciente da pessoa, certo ? Então, pelo menos em mim, é o problema que sinto a cada dia. E é um círculo fechado. Porque, quando finalmente conseguimos ficar tranquilos, fazemos algo errado, e a própria raiva que já está dentro de nós nos xinga pelo que fizemos de errado. Então ficamos presos. Estou curioso de saber se a palavra Krishna pode vencer esta força.
SRILA ACHARYADEVA: Tudo isso que você falou _ raiva, frustração _ são sintomas de uma pessoa em consciência material. Qualquer coisa tem seus sintomas. Ao contrairmos uma doença material, o corpo manifesta os sintomas da doença, e os sintomas da doença são miseráveis. É como ter febre: Por isso, às vezes as pessoas ficam frustradas, mesmo sem motivos aparentes. Antes eu lhes explicava que o processo de cantar Hare Krishna é recomendado, especialmente porque nesta era é o único processo eficiente e prático de purificação da consciência. Por exemplo: se tenho uma doença, o médico me prescreve um remédio, eu o tomo; no próximo dia, sinto-me muito melhor, já não tenho febre. Posso entender, então, que o remédio funcionou. É algo prático: quem canta Hare Krishna perde essa raiva, essa febre material. Isto porque o estado original de todo o ser vivo é de pureza e tranquilidade. Em outras palavras, nosso estado atual é artificial, um estado doentio. Se você dança, sente prazer. Dançar é um prazer, não é ? Mas, para quem tem uma infecção na perna, dançar é muito doloroso. Para voltar a sentir prazer, é preciso eliminar a infecção. Da mesma forma, devido à contaminação em nosso coração, tudo o que fazemos é mais ou menos doloroso.
ESTUDANTE: Às vezes, eu fico me observando. Vejo a formação de células de memória, entende ? Quer dizer: toda a vez que acontece um fato externo, na mesma hora aquele conjunto de memória reage. Como, por exemplo, com uma criança. Quando eu chego perto de uma jarra de cristal _ como já aconteceu _ meu pai me chama e me tira dali; então ele me corta, tira a segurança de eu me aproximar de uma jarra de cristal, quer dizer, ele não me dá a liberdade de eu me aproximar e...
SRILA ACHARYADEVA: Por isso, o sistema védico dita que até os cinco anos a criança não deve ser disciplinada. O sistema védico é muito científico para a educação. Nos primeiros cinco anos, a criança não é castigada, porque, como você disse, castigo nos primeiros cinco anos pode assustar ou traumatizar a criança. Dessa maneira, até os cinco anos, ela não é castigada. Depois, por mais ou menos dez anos, disciplina muito rígida para formar o caráter. E, quando a pessoa chega aos quinze ou dezesseis anos, outra vez nenhum castigo, porque passa a ser como madeira seca, que com qualquer coisa pode rachar. Podemos ver que uma criança que é castigada antes dos cinco anos fica traumatizada quase toda a sua vida e, ao completar quinze ou dezesseis anos, se os pais continuam castigando, foge de casa, e não quer voltar mais. Além disso, durante os anos em que se deve disciplinar, eles não dão disciplina certa, disciplina espiritual. Por isso, hoje em dia, todos estão ficando com o seu caráter estragado.
Mas eu gostaria de voltar a um assunto que estava desenvolvendo antes. Eu falava sobre varnãsrama, mas só cheguei a explicar sobre varna. Agora vou explicar sobre ãsrama. Há quatro classes sociais, como já expliquei, e quatro classes espirituais, ou ãsramas. Isto porque temos certas obrigações para com a sociedade, precisamos prestar-lhe algum serviço, mas, além disso, temos nossa vida particular. Dentro da vida particular, há também quatro divisões: (1) brahmacãri, estudante celibatário, fase que vai dos cinco até os quinze ou vinte anos. Durante esse período, é proibido qualquer contato com mulheres. Dessa maneira, o estudante molda seu caráter, estudando sob a orientação de um mestre espiritual fidedigno. (2) Grhastha: aos vinte ou vinte-e-cinco anos, caso ele tenha inclinação, tem permissão para se casar e constituir família. Porém, por ter sido treinado antes com muita disciplina, ele não se torna um indivíduo inútil e sem caráter em sua vida familiar. Tampouco se degrada ou deixa de pensar em seu avanço espiritual. Por ter recebido treinamento adequado, ele continua sua vida espiritual, e, enfim, (3) vanaprastha _ por volta dos cinquenta anos, está preparado para deixar a vida familiar. Então _ (4) sannyãsa _ na última fase da vida, ele sai para pregar, vive em locais sagrados, voltando toda a sua atenção para o aperfeiçoamento de sua consciência espiritual. Assim, ele se prepara plenamente para o momento da morte. Concluindo, o sistema védico é muito científico em termos de educação. Não só isso, mas também todos os problemas sociais e políticos deixam de existir quando se observa esse sistema adequadamente. Como Krishna diz no Bhagavad-gitã (4.13):

cãtur-varnyam mayã srstam
guna-karma-vibhãgasah
tasya kartãram api mãm
viddhy akartãram avyayam

“Eu criei as quatro divisões da sociedade humana segundo os três modos da natureza material e o trabalho atribuído a eles. Embora Eu seja o criador deste sistema de varnas e ãsramas, deves entender que ainda assim Eu não sou o realizador, visto que sou imutável. “Esse sistema de ordens sociais e espirituais foi estabelecido pelo próprio Deus, e por isso é um sistema social político e econômico perfeito.

1. A importância dos valores espirituais

_ Uma conversa entre Sua Divina Graça Srila Acharyadeva e o ex-Ministro da Educação do Peru, General de Divisão, José Guabloche Rodriguez.

É falso o conceito dos sociólogos modernos de que a sociedade deve funcionar sem valores _ isto porque vivemos aceitando valores. Inclusive, o princípio fundamental da liberdade depende inteiramente de valores. O homem livre é o homem que obedece, que aceita valores positivos. Resta, portanto, estabelecermos valores espirituais na sociedade para que o homem goze de liberdade eterna.
(Srila Acharyadeva _ Lima _ 1979)

MINISTRO: É para mim uma grande honra poder conversar com pessoas que estão tentando encontrar a paz espiritual e ajudar os outros. Agradeço-lhe por ter vindo e pelo que vou escutar e aprender com o senhor.
SRILA ACHARYADEVA: Nós também ficamos agradecidos pela oportunidade de conversar com o senhor. Nossa mensagem básica é que a sociedade moderna, em todas as partes, não tem conseguido definir a identidade última do ser humano, deixando, portanto, de entender o propósito da vida. Segundo a cultura védica da Índia _ e não a sociedade hindu, que é outra coisa _ nossa necessidade primordial é entender que o ser humano não é o seu corpo físico, o qual é como uma espécie de vestimenta, e sim a consciência pura, ou a alma eterna dentro do corpo. Originalmente, todo o sistema védico era organizado para ajudar o ser humano a progredir em sua vida espiritual, e, assim, como havia um ponto central na sociedade _ Deus _ , tudo ia bem automaticamente. A única fórmula para unir todos os seres humanos é fazê-los viver numa sociedade cujo centro seja Deus.
Hoje em dia, o ser humano quer desafiar Deus e as leis naturais, e por isso é obrigado a lutar. Ele luta para conseguir as coisas que são muito fáceis de se obter. Podemos ver que qualquer passarinho, animal ou ser vivente consegue facilmente seu alimento, abrigo, etc. Aqui no Peru, ou em qualquer país do mundo, o cidadão que não se conformar com a lei nacional será obrigado a lutar, pois o governo impor-lhe-á vários castigos para fazê-lo se submeter à lei. Da mesma forma, a lei de Deus existe, e, quando as pessoas não se conformam com esta lei, vêem-se forçadas a lutar. É comum hoje em dia falar-se sobre problemas econômicos. Mas quais são os problemas econômicos ? Comer, dormir, defender-se e acasalar-se. Coisas tão simples que qualquer inseto pode fazer; no entanto, fala-se de economia e de problemas econômicos como se fossem coisas muito complicadas ou muito nobres. Mas trata-se apenas da manutenção do corpo físico, como fazem os insetos e os animais. Costumamos dizer que a sociedade moderna é como um corpo sem cabeça. Segundo a cultura védica, as pessoas iluminadas são a cabeça da sociedade; os militares, os governantes, são os braços que protegem a sociedade, da mesma forma que os braços protegem o corpo; a classe mercantil ou produtora é o estômago da sociedade; e os operários são as pernas que sustêm a sociedade. Dentro desta distribuição social, todos poder trabalhar pacificamente, sem que haja conflitos _ assim como não há conflitos entre a cabeça e as pernas, apesar de eles serem diferentes. Portanto, na ausência da classe de pessoas iluminadas, a sociedade moderna é como um corpo sem cabeça. Seria loucura se um membro do corpo luatasse contra outro membro. Não é normal que, na sociedade, um membro lute contra outro _ os produtores contra os operários, os operários contra os políticos, etc. _ todos são membros do mesmo corpo. Hoje em dia, isto está acontecendo por falta do ponto central, que é Deus. Os produtores, em vez de produzir para servir a Deus, querem aproveitar o resultado de seu serviço para si mesmos. Tampouco os operários pensam em Deus, isto para não falar dos políticos. Os políticos modernos não tem o menor interesse em Deus nem no povo; só pensam em seu próprio proveito. Os intelectuais e cientistas também não pensam no bem estar do povo. E, como nenhum dos membros do corpo tem vontade de se dedicar a Deus, existe caos.
Outro ponto básico de nossa filosofia é que ninguém pode ser puro, piedoso ou tratar aos demais corretamente se não se dedica a Deus de alguma forma. A cultura védica afirma que tudo pertence a Deus; logo, o homem que não aceita Deus e Seu direito natural de propriedade sobre tudo está no mesmo nível que um ladrão. Se eu não respeito o governo federal, mas digo que respeito os meus semelhantes, em última análise, minha posição é falsa, visto que não aceito o ponto central que mantém a todos. Analogamente, quem não aceita ou respeita Deus, alegando ser piedoso, puro e respeitoso com os demais, está assumindo uma posição falsa.
Tanto aqui quanto nas demais partes do mundo, temos fundado centros de cultivo espiritual. Em termos de yoga, filosofia e cultura da Índia, nosso movimento é o maior do mundo. Publicamos anualmente uma média de quinze milhões de livros em trinta idiomas, apresentando a simples mensagem de que somente os valores espirituais podem unir os seres humanos e eliminar os problemas que aumentam cada vez mais, apesar de tantas promessas de que serão solucionados. Ninguém está resolvendo os problemas do mundo. Isto é muito grave. Não poderemos nos unir baseados na dita estabilidade econômica. Logicamente, todos precisam de dinheiro, casa, educação, proteção, etc. Mas, de qualquer modo, podemos ver que até os ricos brigam entre si. Apesar de todo o seu desenvolvimento econômico, eles continuam insatisfeitos. Por isso, pregamos que o ser humano precisa, antes de mais nada, purificar seu coração, reconhecendo e respeitando Deus e Suas diretrizes. Quem respeita Deus torna-se automaticamente respeitável.
Os líderes modernos não gozam de prestígio, nem são respeitados. Eles não respeitam a Deus e o povo não os respeita. Se, por exemplo, um peruano não obedece ao governo, quem vai obedecê-lo além dos marginais ? Eu gostaria de saber o que o senhor pensa a este respeito.
MINISTRO: Acho que quem não crê em Deus se esforça por assumir uma posição diferente da ditada pelos costumes tradicionais. O homem, por natureza, sente necessidade de buscar esse Alguém ou Algo de onde ele veio e que é a origem de tudo. Quando alguém quer ser diferente, assume a posição do materialista, negando uma espiritualidade superior à matéria e uma transcendência ao homem. Eles dizem: “O homem é ele e nada existe além dele.”
Inclusive um precursor de Marx dizia que Deus não existe, senão que é uma criação do homem, o qual transpõe seu poderio, inteligência, bondade, honra, etc. a um ser ideal, denominado Deus. Deus não cria o homem, senão que o homem cria Deus. O homem despersonaliza-se ao tirar de si para criar este Ser, desprovendo-se de sua essência humana, ou seja, sua espiritualidade. Além disso, o mais grave é que o homem se aliena, pensando que depende disso.
Imagino no homem o afã de querer compreender o que é aparentemente incompreensível para a razão. Mas a fé leva-nos a aceitar o inaudito e, a partir dessa fé, vem a relação, a dependência e o respeito, não somente por esse Ser, mas também pelas leis que Ele impõe. Ninguém poderá confrontar o sistema legal estabelecido por Deus. Neste país, ninguém quer respeitar as leis que o governo estabelece, alegando que este governo não é adequado. Vejo que atualmente a liderança existe em função da rebeldia e da violência. Quem é mais rebelde e nega o já existente tem mais seguidores. Isto porque o povo vê em toda esta rebeldia um paliativo para sua insatisfação.
SRILA ACHARYADEVA: O senhor mencionou a questão das pessoas que negaram as formas tradicionais de aproximar-se de Deus e citou um pensador cuja teoria é que “o homem cria Deus”, inventando um símbolo de suas próprias qualidades humanas e chamando-o de Deus. A este respeito, nos últimos trezentos ou quatrocentos anos, tem surgido a tendência imatura de solucionar problemas, destruindo o que havia, rompendo estruturas e instituições. Há este desejo intenso de inovar, recriar.
Um conceito mais maduro, porém, seria o de reformar e purificar o que está impuro e contaminado. Por exemplo, quando temos algum problema em alguma parte do corpo, não é cortando aquela parte que resolvemos o problema, mas sim purificando-a através de tratamento. Infelizmente, na Europa, que tem uma história violenta, especialmente nos últimos trezentos anos, há a mesma tendência a acabar com algo, sem considerar antes a possibilidade de purificá-lo ou corrigi-lo, ou pelo menos aproveitá-lo parcialmente. Sem dúvida, sabe-se que nas tradições espirituais do Ocidente houve muitos problemas, muitos conflitos e muitas coisas que não poderiam ser consideradas espirituais, tais como o sectarismo e a violência dele resultante. Por isso, no ocidente há um preconceito contra instituições ou quaisquer caminhos religiosos . Chegam a ser tidos como perigosos por sua tendência de cegar as pessoas em vez de iluminá-las, provocando violência e conflitos. Nós reconhecemos isso, se bem que, a meu ver, a reação do Ocidente _ de criar diferentes teorias, como a que o senhor mencionou, ou como a de Darwin e as filosofias modernas, que reduzem tudo ao nível material e físico _ tem causado problemas piores para a sociedade. Se eu visse o senhor como uma mera combinação de moléculas ou matéria, como poderia, então, estabelecer algum tipo de moralidade perante o senhor sem que essa moralidade fosse artificial ? Eu poderia dizer que é bom que tenhamos moralidade, mais isso não passaria de capricho, desejo de que haja moralidade, e não existiria nenhuma base absoluta de moralidade. É isso o que está acontecendo: as pessoas vêem-se umas às outras como matéria, como algo físico. Segundo esta visão, matar uma pessoa é apenas provocar uma transformação física. O corpo morto tem os mesmos elementos que o corpo vivo. Um cadáver ou um corpo vivo são meras transformações químicas. Fiquei sabendo que um médico inglês propôs que, assim como matam os embriões, também devem matar os velhos, já que eles se tornam inativos e improdutivos. E isso está sendo cogitado ! Hoje em dia, quando um casal pensa se deve ou não ter filhos, o faz em termos econômicos: “Bem, se tivermos dois filhos, gastaremos tanto e compraremos um carro apenas; ou não poderemos comprar a casa que desejamos.” Esta mentalidade está se desenvolvendo tanto que surgiu um problema muito grave de suicídio entre crianças.
Lefebvre e Marx viveram em um mundo mais ou menos consciente de Deus e pensaram que, eliminando Deus, não haveria mais problemas. Eles eram pessoas inexperientes e muito imaturas, sem idéia do que seria realmente um mundo sem Deus. Agora estamos vendo o resultado. Eles ousaram propor isso porque viviam numa sociedade que tinha por base a fé em Deus (assim como uma criança que confia nos pais tem a ousadia de sair e fazer travessuras porque sabe que seus pais sempre hão de protegê-la). Os pensadores do século XVIII e XIX ousavam falar de “um mundo sem Deus” e que “Deus não é necessário” porque tinham Deus perto; mas, agora que realmente estamos nos confrontando com um mundo sem Deus, os horizontes são muito negros. Devemos evitar a violenta e tradicional reação do Ocidente: “Ah ! isso é mau ! Destrua-o, mate-o !” É preciso que admitamos as falhas de nossas instituições espirituais. Historicamente, podemos ver que os muçulmanos queriam que todos fossem muçulmanos e os cristãos também queriam que o mundo se tornasse cristão, mas isso não é científico. Se eu fosse médico, poderia ir a qualquer parte do mundo e, pelos sintomas físicos, ver quem tem boa ou má saúde. Se realmente tenho conhecimento espiritual, vou julgar cada pessoa, não pelo fato de pertencer ou não a meu grupo, mas sim por seus sintomas. Na cultura védica, há processos objetivos e científicos para julgar o avanço espiritual de cada pessoa, assim como pelos sintomas físicos podemos saber como está a saúde de uma pessoa. Portanto, creio que o governo deve interessar-se por isso. No campo da medicina, por exemplo, o governo tem que fixar um critério para determinar quem é médico, quem não é e quem pode exercer esta função. O mesmo acontece na advocacia, nas ciências, na produção de artigos farmacêuticos, no comercio, etc. Podemos ver que os setores pelos quais o governo não mostre interesse não funcionam bem, e por isso há caos. De modo semelhante, esta posição atual assumida pelos governos do mundo, de dizer que a espiritualidade é algo que cada um tem que buscar, é como dizer aos cidadãos: “Nós não podemos determinar quem é médico; procurem-no vocês.”
A separação de Estado e Igreja mostra que originalmente não havia uma religião estatal (oficial), o que não significa que o governo não apoiava os princípios universais da religião. O fato de os governos do mundo terem se retirado do campo espiritual criou uma situação de caos, de terríveis enganos e de farsa, onde as pessoas estão sendo mais ou menos massacradas espiritualmente por farsantes. Por exemplo, em qualquer religião se aceita que o homem não deve ser luxurioso e não deve pensar em explorar mulheres. Isto foi explicado por Jesus Cristo, Maomé e está bem esclarecido nas escrituras da Índia. Como todos são concordes quanto a este princípio, o governo deveria aceitá-lo como um princípio espiritual universal. Dever-se-ia proibir qualquer tipo de propaganda comercial que use a mulher. Os homens vivem tão agitados sexualmente que não podem pensar com clareza, e em consequência disso tornam-se violentos, frustrados e loucos.
Outro ponto é a glorificação a Deus. Todas as religiões pregam que se deve glorificar o santo nome de Deus. Embora haja diferentes nomes de Deus em diferentes partes do mundo, o processo de glorificá-los é universal. Isso também deveria ser apoiado e, assim, criar-se-ia uma atmosfera auspiciosa. O senhor certamente se lembra de que antes, no Peru, nos Estados Unidos, na Europa, ou em qualquer parte do mundo, havia uma igreja ou um templo no centro de cada cidade. E qualquer cavalheiro sabe que isso criava uma atmosfera inteiramente diferente. Atualmente, o centro de qualquer cidade é o prédio de seguros, o banco principal, uma churrascaria, um bar, um clube noturno, etc. E a atmosfera é infernal, visto que ninguém pode pensar em Deus.
Sabemos perfeitamente que muitos governos introduzem drogas no país para apaziguar o povo. Deste modo, os líderes mantêm o povo agitado e entorpecido para poder explorá-lo. Aí está todo o problema. Portanto, pedimos ao senhor que, como líder deste país, considere a possibilidade de corrigir os problemas sociais mediante a religião. Quem tem um carro que não funciona bem não o despreza imediatamente. Quantos problemas os governos modernos têm enfrentado ? Quantos ladrões, quantos enganadores ? Inumeráveis, em toda a parte do mundo, em cada país. Porém, ninguém chegará a propor que se acabe com o governo somente por causa dos reveses que surgem. Se algo vai mal no departamento do correio, ninguém propõe que se acabe com esse departamento, e se acontece algum escândalo no Exército, ninguém manda eliminá-lo. Da mesma forma, a espiritualidade é igualmente necessária e, como qualquer outro departamento, não pode funcionar independentemente, Infelizmente, vê-se que hoje em dia os governos estão se afastando de suas responsabilidades perante a vida religiosa do ser humano. O senhor está incluído entre as raras exceções e posso dizer-lhe, sem falsos lisonjeios, que, atualmente, poucos são os líderes em qualquer país que sejam capazes de conversar filosoficamente como estamos conversando.
MINISTRO: Muito obrigado. Para mim este tipo de conversa é fundamental porque me dá oportunidade de pensar um pouco mais no homem. Desde muito criança tive certa inclinação religiosa. Lembro que às vezes ia com meu pai ao culto protestante e com minha mãe à missa católica. E, apesar da pouca idade, eu conseguia entender que ambos se referiam à mesma pessoa. Quanto aos protestantes, eu os via mais humanos. E no outro lado muito temor. Então eu me perguntava: “Por que meu pai e minha mãe têm conceitos distintos ?” e queria dar razão a ambos, já que os respeitava. Desde muito criança li muito e vivi em eterno conflito, que se agravou quando vi que havia homens que não faziam o que diziam. Então comecei a criticar as instituições pelas pessoas, mas depois entendi que em qualquer parte haverá alguém que seja torpe ou que proceda mal.
Agora noto que os jovens não têm nenhuma referência fixa, e por isso estão se refugiando na maconha. Talvez fumem maconha para justificar a situação em que se encontram, mas de fato estão assim por não terem um referencial. De modo que o problema da educação é muito sério hoje em dia. Acho que a educação deve ser permanente e total, não é coisa só da escola, mas também dos lares, do cinema, da imprensa, de toda parte. Por exemplo: o que se ensina às crianças na escola, elas esquecem dois minutos depois que saem dela. Atualmente, as crianças não aprendem o que fala o professor, senão que repetem o que vêem na televisão. Por isso, no momento estou fomentando o programa de ensino através do Instituto Nacional de Tele-educação. Mas é tarefa árdua. Outro conflito no Ministério é que certos mestres acham que devemos pagar-lhes mais dinheiro.
SRILA ACHARYADEVA: Sim, na cultura védica o sistema era que o professor nunca recebia salário, senão que aceitava caridade dos pais das crianças. O professor tinha que ser a pessoa mais pura, para assim poder ensinar aos outros através de seu exemplo, e por isso aceitava voluntariamente uma vida muito simples. Atualmente, nos países super-desenvolvidos, há muitíssimas pessoas que reconhecem que “estamos mal” e que “nos equivocamos”. Muitas pessoas o admitem. Ontem, conversei com o Alcaide de Lima, que me dizia que aqui as autoridades desejam que as pessoas saiam da cidade e voltem a levar uma vida mais simples em seus povoados natais. E em alguns países se pede ao povo: “Por favor, gastem menos petróleo”; “levem uma vida mais simples”. Mas, se não dermos ao povo um prazer que não seja material, o povo sempre irá canalizar sua tendência para progredir materialmente. Portanto, o governo deve apoiar o progresso espiritual do povo, e não somente incentivar a existência de instituições impotentes, criadas apenas para satisfazer certas formalidades sociais. Segundo a concepção védica, os líderes do país, além de deverem ser peritos em suas atividades materiais, também têm a responsabilidade de ser bem versados em conhecimento espiritual para serem capazes de orientar o povo nesse sentido.
Quando o senhor era criança, podia distinguir entre o que era realmente espiritual e o que era falso. Agora, com uma vida cheia de experiências e educado em todos os sentidos, poderá perceber isso muito melhor. Nossa observação é que, se o povo não é orientado no sentido de avançar espiritualmente, é inevitável que canalize sua energia para o avanço material, sem jamais encontrar satisfação, porque sempre haverá alguns que têm mais que outros. Por isso, publicamos muitos e muitos livros que tratam exclusivamente da ciência espiritual, ensinando o homem a avançar espiritualmente desde sua própria infância. Ensinamos às crianças: “Você tem um corpo físico, deve mante-lo. Mas, na verdade, você não é material nem físico, mas sim a consciência que se encontra no corpo. Você é uma alma eterna, parte integrante de Deus, e pode avançar espiritualmente.” Não lhes ensinamos apenas isto: “Você é católico, judeu, protestante, muçulmano, hindu, etc.” Estes são conceitos semelhantes à idéia de nacionalismo, conceitos materiais baseados no ódio. Por exemplo: quem tem orgulho de ser americano pensa que é melhor que os demais, ou quem tem orgulho de ser hindu pensa que sua religião é a melhor. Este orgulho, ou fonte de ânimo material, sempre se baseia no fato de alguém ser pior, inferior ou inimigo. É um truque muito antigo criar um inimigo e fazer com que todos se voltem contra ele. Mas, se queremos unir o mundo sem criar inimigos, sem criar o diabo, temos de fazê-lo transmitindo ciência espiritual, e não ensinando que “você é católico, hindu, protestante, muçulmano, etc.” É preciso ensinar que todos são almas eternas, sem designação material alguma. É possível avançar espiritualmente, percebendo os sintomas do avanço. Um jovem que estuda música desde criança sabe o quanto está avançando em sua técnica e prática. Da mesma forma, há sintomas objetivos de avanço espiritual. Assim, se as pessoas se animam e o governo entusiasma o povo a aceitar o avanço espiritual, sem designações materiais, inimigos ou conceitos sectários, isso pode unir a sociedade. Nós, por exemplo, não queremos coisas materiais. Se alguém me oferece uma televisão, um rádio ou algo semelhante, eu não os quero, porque para nós tais coisas são inúteis. Mas se não oferecem ao povo o prazer superior, que é espiritual, o povo só buscará prazer material. A proposta de nosso movimento é que não existe uma solução material para os problemas atuais, pois, por definição, a matéria é sempre dual: sempre existe o bem e o mal, amigo e inimigo.
O Peru, e também os demais países latino-americanos, é conhecido por sua piedade, por seu povo religioso. De maneira que seria bom o Peru tomar a iniciativa de mostrar ao mundo como se deve resolver os problemas modernos. Este poderia ser o tipo de liderança do Peru, Pelo menos no Ocidente.
MINISTRO: Mas eu considero que uma vida sem problemas, sem luta, não seria vida. A grandeza do homem se mede em função da grandeza do obstáculo que ele consegue vencer. Somente quando o obstáculo é grande é que o homem sente o desafio. E, mesmo que fracasse, ele sente-se satisfeito de ter feito o que podia. E fica satisfeito também, por saber que outros virão e aproveitarão a experiência legada por ele e poderão inclusive superar esta meta.
SRILA ACHARYADEVA: Sim. Na Índia se diz que, se alguém vai a caça, é melhor tentar caçar um rinoceronte, pois caso fracasse, os outros dirão: “Mas ninguém pode matar um rinoceronte !” E, se o mata, todos o glorificam (risos). Portanto, nós devemos entender que a verdadeira luta do homem deve voltar-se para seu avanço espiritual, e não apenas para interesses mundanos e passageiros. O ser humano deve utilizar corretamente a sua intelectualidade. Por isso, ao pregarmos, pedimos a todos que estudem nossas obras, e entendam, através da lógica e do raciocínio, a maravilhosa ciência da consciência de Krishna. O senhor conhece os Upanisads ?
MINISTRO: Sim.
SRILA ACHARYADEVA: Pois é. No principal dos Upanisads, o Sri Isopanisad, o primeiro verso diz:

om purnam adah purnam idam
purnãt purnam udacyate
purnasya purnam ãdãya
purnam evãvasisyate

Este verso explica que este mundo é completo e tem muitas facilidades, pois a fonte da qual ele provém é completa. Através da lógica e da ciência, pode-se verificar que o que se encontra no efeito também se encontra na causa. Se há calor e luz nos raios solares, deve-se concluir que no próprio sol há calor e luz ilimitados. Não é lógico propor que o sol é frio quando toda a energia que emana dele é quente.
Usando o mesmo tipo de raciocínio, podemos deduzir que, assim como temos personalidade, qualidades, etc., de modo semelhante, Aquele de quem tudo isto emana também deve possuir esses atributos. É por isso que na Índia sempre se aceita a existência de Deus. Resta saber se Deus é nirãkãra, ou seja, sem qualidades pessoais específicas, ou saguna, que significa “com qualidades”. Em outras palavras, resta saber se Deus é pessoal ou impessoal. Há quem diga que em última análise Deus é impessoal, mas que manifesta qualidades para comunicar-Se conosco. Outros dizem que Ele é sempre pessoal. A conclusão védica, porém, afirma que Deus é nirguna, isto é, Ele não tem qualidades, no sentido de que não possui qualidades materiais. Por outro lado, Ele é saguna, no sentido de que tem qualidades eternas e transcendentais.
Na verdade, os grandes ãcãryas (mestres espirituais) da Índia não aprovam a filosofia impessoal de que tudo é Deus. A esse respeito, o Hari-vamsa, famoso texto védico diz:

sarvam harer vasatvena
sariram tasya bhanyate
ananyãdhipatitvãc ca
tad ananyam udiryate
na cãpy abhedo jagatãm
visnoh purna-gunasya tu

“Porque tudo está sob o controle do Senhor Supremo, considera-se que tudo faz parte de Seu corpo. Ele é a fonte original e o senhor de tudo, e por isso não se deve considerar que haja algo diferente dEle. Não obstante, não se deve concluir tolamente que não há absolutamente nenhuma diferença entre o mundo material e o Senhor Supremo, que é pleno de Suas próprias e singulares qualidades espirituais.”
Frequentemente, utilizamos o exemplo do sol e seus raios para explicar este assunto. O brilho do sol nada mais é do que uma expansão do globo solar, e por isso não há diferença qualitativa entre o sol e seus raios. Porém, embora o brilho do sol esteja situado em toda a parte e embora tudo seja uma transformação da energia solar, o próprio globo solar, a fonte do brilho do sol, não está em toda parte, senão que está situado em um local específico no vasto céu, tendo sua própria forma específica. Se penetrarmos mais ainda no globo solar, encontraremos o deus do sol, Vivasvãn. Embora os pseudo-intelectuais da era moderna que são incapazes inclusive de contar os cabelos que têm em suas próprias cabeças considerem o deus do sol uma figura mitológica, é realmente mitologia tola dos homens modernos pensar que um aparato tão sofisticado como o sol, que fornece calor e luz para todo o universo, possa funcionar sem administração inteligente. As transformações de energia solar possibilitam a vida na terra, e assim pode-se entender que a terra consiste numa variedade ilimitada de manifestações secundárias da energia solar onipenetrante.
Deste modo, dentro do planeta sol está a personalidade Vivasvãn, o principal administrador das funções solares; o globo solar em si é localizado; e os raios do sol expandem-se por toda a parte. Analogamente, Sri Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, é a Pessoa Original. Ele Se expande como a Superalma (Paramãtmã) localizada no coração de todos. Além disso, Ele expande Sua potência através do brilho de Seu corpo, a refulgência espiritual onipenetrante conhecida como brahmajyoti. Toda a manifestação material flutua dentro dos raios desse brahmajyoti. Assim como toda a vida na Terra é uma transformação dos raios onipenetrantes do sol, da mesma forma, toda a manifestação cósmica é uma transformação dos raios espirituais do brahmajyoti. Como se afirma no Brahma-samhitã (5.40):

yasya prabhã prabhavato jagad-anda-koti
kotisv asesa-vasudhãti vibhuti-bhinnam
tad Brahma niskalam anantam asesa-bhutam
govindam ãdi-purusam tam aham bhajãmi

“Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, que é dotado de grande poder. A refulgência brilhante de Sua forma transcendental é o Brahman impessoal, que é absoluto, completo e ilimitado e que revela as variedades de planetas incontáveis, com suas diferentes opulências, em milhões e milhões de universos.” Portanto, o brahmajyoti é a luz espiritual que emana diretamente do corpo de Deus. Este universo é uma transformação daquela energia espiritual, e por isso tudo que existe está, num sentido, ligado diretamente ao corpo pessoal da Suprema Personalidade de Deus.
Tudo que existe é expansão da Suprema Personalidade de Deus e deve ser respeitado adequadamente. Se a personalidade de Deus não fosse a fonte de tudo e se nada estivesse ligado a Krishna, ou Deus, seria correto concluir que a personalidade de Deus é uma manifestação material de alguma verdade impessoal. Mas, como se afirma no Vedãnta-sutra, janmady asya yatah: a Verdade Absoluta é aquilo do que tudo emana. E, no Bhagavad-gitã, Krishna diz que aham sarvasya prabhavah: “Eu sou a fonte de tudo.” Se consideramos que haja algo totalmente desligado do corpo pessoal de Deus, enchemo-nos de temor e caímos sob o controle de mãyã, a energia ilusória do Senhor. Portanto, a conclusão é que o conceito impessoal propõe uma filosofia imaginária, que logicamente leva à ilusão, fazendo com que todos se degradem na existência material. Portanto, o objetivo do movimento para a consciência de Krishna é ajudar a sociedade humana a transcender a plataforma da existência material através da compreensão da forma pessoal de Deus, Krishna. Como se afirma no Bhagavad-gitã (5.29), suhrdam sarva-bhutãnãm: Krishna é o amigo e benquerente de todos os seres vivos. Entendendo que todas as coisas existentes estão sob o poderoso controle de nosso mais querido amigo, podemos chegar à fase em que todo o universo se torna uma morada bem-aventurada, parte integrante do corpo transcendental de Krishna.
MINISTRO: Bem, posso ver que vocês estão muito preparados para pregar o conhecimento espiritual. Isso é muito bom porque é muitíssimo necessário. Agradeço-lhes muito por terem vindo iluminar-me.
SRILA ACHARYADEVA: Também ficamos muito agradecidos pela oportunidade da conversa filosófica. Muito obrigado. Hare Krishna.

Nacionalismo de estimação

Reinando os cães e os gatos

Este texto apareceu originalmente como uma coluna de Back to Godhead, a revista mensal do Movimento Hare Krishna em inglês.

Enquanto fazia pesquisa para meu próximo livro, no mês de julho passado, viajei à típica cidade americana Fort Myers, na Flórida, onde me hospedei num Holiday Inn com vista para o rio Caloosahatchee. Enquanto passeava pela área de recreação do hotel, encontrei-me com uma simpática família de escoceses que costumava passar seu veraneio na Flórida. A guerra das Malvinas recém-terminara naquela época, e, por questão de educação, falei-lhes da vitória britânica. O homem excitou-se imediatamente e exclamou: “Sim, nós mostramos a eles, muito bem ! Nós os vencemos. Tínhamos que vencê-los porque lutávamos por uma causa justa, ao passo que eles não sabiam porque estavam lutando.” Então, seu filho começou a puxar sua camisa, tentando fazê-lo voltar ao jogo de pingue-pongue, mas o escocês continuou a glorificar a vitória britânica, enfatizando os ideais elevados que motivaram os soldados britânicos.
A causa psicológica básica de tal nacionalismo é simples: os seres humanos (como também os animais, pássaros, peixes e insetos) são inclinados naturalmente a viverem juntos e tentarem sua sorte como um grupo unido. Uma unida colônia de formigas reconstrói rapidamente seu formigueiro que acaba de ser pisado por algum pé rude. Uma manada de elefantes unidos pode defender-se do ataque de um leão. Uma metrópole unida trabalha harmoniosamente e prospera. E uma nação unida mostra ao mundo uma imagem forte e influente.
Se o espírito de união une a maioria das espécies de vida, o que distingue o espírito humano de unidades ? Os seres humanos sobressaem por sua capacidade de perceber a unidade maior de todas as formas de vida e, na verdade, da vida em si. Em última análise, o sentido de unidade do ser humano pode estender-se além da plataforma material até o reino transcendental da consciência de Deus. O ser humano, reconhecendo tudo como parte de Deus, pode ver a unidade de toda a existência e entender que tudo depende do Ser Supremo.
Contudo, os nacionalistas modernos unem as pessoas, dividindo-as em unidades políticas superficiais, temporárias e conflitantes. O nacionalismo exige que abandonemos nossas verdadeiras identidade e unidade espirituais e, ao invés, briguemos como cães e gatos. Uma vez que os conflitos de interesses entre nações são infindáveis, o nacionalismo nunca poderá ser a base de uma paz duradoura, que precisa apoiar-se numa consciência superior da unidade de toda a vida.
A consciência de Krishna ensina que toda a vida é una porque todos os seres vivos são partes integrantes de Krishna, ou Deus. O sistema social que brota desta compreensão é chamado sistema varnãsrama, e organiza as pessoas em comunidades e sociedades eficientes e iluminadas com a Suprema Personalidade de Deus no centro. O movimento para a consciência de Krishna procura estabelecer tais unidades sociais, dentro das quais todos podem aprender a amar Krishna sem conflito de interesses. Enquanto o nacionalismo floresce incitando o ódio pelo “inimigo nacional”, o varnãsrama floresce pelo cultivo do amor a Deus e a compaixão por todas as criaturas.
Em minhas viagens pela América Latina, tenho visto que líderes corruptos às vezes provocam um frenético sentimento anti-americano para que sua própria corrupção não seja descoberta e o povo não os linche. Por outro lado, os americanos mantêm uma impressão idiota e estereotipada da América Latina, unicamente para para satisfazer o falso orgulho norte-americano. Desta forma, o nacionalismo torna-se facilmente uma ferramenta para a exploração política e, na verdade, cria escuridão espiritual, ódio e violência entre aqueles a quem supostamente inspira.
De qualquer modo, pode ser que se argumente que a organização política é um mal necessário, visto que o poder existe e precisa ser exercido de maneira ordenada e racional. As civilizações precisam ter uma identidade comum para funcionarem eficientemente. Diferentes grupos de seres humanos, a despeito de sua unidade espiritual última, têm modelos culturais e psicológicos distintos e assim hão de agrupar-se naturalmente em povos, nações, estados e comunidades separados.
Concordamos que, embora a consciência de Deus seja necessário para o homem _ e, de fato, seja a meta da vida _ não podemos abolir a tendência natural das pessoas de se organizarem em unidades políticas e culturais e governar-se a si mesmas ou permitir que sejam governadas por diferentes sistemas políticos. Porém, a consciência de Deus deve ser sempre central em todo sistema político. Somente então poderemos evitar os conflitos que surgem quando o mero orgulho político ou nacional substitui vulgarmente a consciência de Deus genuína como o processo fundamental para unir as pessoas.
Recentemente, a revista Psychology Today publicou um artigo chamado “Nos e os animais de estimação”, que apresentava as últimas descobertas científicas sobre as relações entre homem e animal. O psicólogo Randall Lockwood da Universidade Estadual de Nova Iorque em Stonybrook demonstrou que a maioria das pessoas considera uma pessoa que passeia com seu cão mais simpática e amistosa do que uma pessoa solitária. Aparentemente, elas adoram seus animais de estimação, e realmente se recuperam de perigosas condições cardíacas e vivem mais quando confiam em seus animais de estimação e, de fato, acariciam seus bichinhos.
O amor que as pessoas têm por seus animais de estimação certamente contradiz a pavorosa controvérsia da teologia ocidental de que os animais não têm alma. Será possível que milhões de pessoas estejam abraçando, acariciando, mimando, beijando e confiando em sacos peludos de moléculas e átomos ? Acaso a afeição que um animal demonstra por seu dono seria uma mera reação química ? E se assim o fosse, por que as pessoas não abraçariam e beijariam frascos de produtos químicos ao invés de animais ? Por que consideramos quem protege os animais uma boa pessoa ?
Por outro lado, se os animais têm realmente alma e certos animais são dignos de nosso amor, por que, então, nós brutalmente abatemos bilhões de outros animais simplesmente para satisfazer nosso desejo demoníaco de comer carne ? Por que toleramos a insolente hipocrisia de uma imensa indústria de carne bovina lado a lado com uma sociedade protetora dos animais ?
No primeiro segmento desta coluna, explicamos como o nacionalismo está baseado na hipocrisia de se amar os próprios compatriotas e encarar os demais como inimigos. Há certamente uma hipocrisia semelhante em nosso afago descuidado a determinados animais e no massacre desumano que impomos a outros.
A falta de uma compreensão científica sobre a vida, a alma, Deus e as leis de Deus tem criado uma cultura insuportavelmente hipócrita e demoníaca em todos os países. O conhecimento perfeito da consciência de Krishna pode dissipar nossa ignorância dos assuntos espirituais e ajudar-nos a construir uma sociedade mais consistente e iluminada. A menos que os povos comecem a apreciar e entender a consciência de Krishna, a qual ensina conhecimento científico sobre a alma e Deus, as estonteantes e imorais contradições de nossa sociedade acabarão por nos destruir.

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